Fronteira. Os sapos invadiram a relva, já fresca e verde como de Inverno. Enquanto as marés, mais cheias que nunca, desgastam o areal, escavando-lhe paredes de quase um metro. Agora, nem os pescadores ocupam a praia. Mas a água teima em manter-se tépida.
Ao fim de duas horas de caminhada, fico no meio do silêncio só quebrado pelas vagas, pela rebentação e pelo vento. A Norte, as nuvens ameaçam mau tempo. A Sul, algumas velas cheias competem em bolinas, com os mastros a inclinarem o possível, ziguezagueando nas sucessivas mudanças de bordo. O ar ainda tem restos do calor do Verão.
Deitei-me no areal e fixei o céu. Tive paz durante meia hora.
Cedi à curiosidade de ver o fim do dia nos areais de Canela. Nas praias de areia suja. Um bom pretexto para atestar o depósito a preços mais baixos. No Outono, as praias da Andaluzia ficam despovoadamente tristes e perdem toda a vida que os espanhóis preenchem com barulho e cheiros a paelha, churros, cerveja, regaliz vendida em quiosques e gambas fritas. A Espanha vazia é um conceito desprovido de conteúdo. Àquela mesma hora, todas as praças mayores estariam repletas da gente que faltava ali, naqueles areais.
De regresso, o pôr-do-sol fez-me uma surpresa. Foi mais um daqueles memoráveis. Com o céu cheio de nuvens, enquanto conduzia, acompanhei a sucessão de tons espalhados pela gigantesca tela de supostos nimbos, cúmulos e massas de castelos carregados de chuva. Entre estes colossos do ar, aqui e ali, as aberturas directas para o céu, em buracos mal recortados, deixavam ver todos os azuis e esverdeados, dos mais diferentes matizados. Se tivesse uma daquelas infindáveis colecções de pastel, ou de lápis, ou mesmo de gouaches, dentro dos acerejados, encarnados, tintos de vinho ou purpúreos, entre 60 ou 70 variações, não encontraria o tom exacto de cada cor que o crepúsculo projectava naquelas núvens. Os cabos do tabuleiro da ponte do Guadiana, enquadrados naquelas cores, penduraram um cenário. A fronteira do país dos sonhos.
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