domingo, 28 de outubro de 2007

Caju. Os barcos seguiam com o convés quase a raiar a linha de água. Levavam tudo, desde galinhas a produtos de cosmética, destinados aos índios locais. O calor era sufocante e a maioria dos passageiros tentava dormitar nas redes, verdadeiros lugares deitados destas embarcações. Recordo o pôr-do-sol antes de chegar à ilha do Caju. Estava então ao lado de quem ia ao leme, na pequena divisão que concentrava os aparelhos e manómetros de comando deste autocarro fluvial, de onde gritava, estridente, uma rádio que, por mais estranho, não passou na altura nada de forró. Recordo bem que ouvi um dueto do Julio Iglesias com Sinatra, o I've lost you to the summer wind.
Setenta ilhas estão ali. No delta do Parnaíba. A «divisa» entre os Estados do Piaui e do Maranhão. Espraiadas mar adentro, o que torna este delta raro - assim só há mais dois no mundo, um deles o do Mekong. E este é enorme. Muito grande. Como tudo naquele país-Continente. Da cidade de Parnaíba até ao meio do Delta, que é a Ilha do Caju, levam-se para cima de sete horas de navegação.
Antes de chegarmos, não me esqueço que a cor do final do dia se arrastou por uma eternidade. Foi talvez o ocaso mais prolongado que recordo ter presenciado. A água revolta e de tons castanhos transformou-se com os reflexos dourados, vermelhos, acobreados, roxos, lilases e por fim, afogados no azulado na noite. À medida que o delta ficou escuro, o céu acendeu estrelas, com o resto dos tons a puxarem o laranja, lá ao longe, do lado de terra, onde o sol equatorial tinha desaparecido. Quando o barco atracou, o ruído do motor foi imediatamente substituído pelas vozes das pessoas que queriam desembarcar. Acho que quando pus os pés em terra, na ilha das coloridas revoadas vermelhas dos guarás, da invasão de pererecas, dos tatus, das ostras e dos peixes gigantes - onde os jesuítas portugueses fixaram uma das suas primeiras missões -, naquele preciso momento, a minha vida mudou. Foi aí o princípio do tudo ao contrário.

1 comentário:

. disse...
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