Anjo. Encontrei um «anjo» perdido.
Foi no «Contraponto»*. O papel já está alaranjado. Deve ter sido salmão, senão rosado. Data de Agosto de 1960, assinado por Mário Cesariny de Vasconcelos.
Na última folha tem uma súmula do «Prato do Diabo», deixando para o fim o «Crueldade Testicular O Que Será?!!!, por Luiz Pacheco (1$00) na altura já publicado, e uma lista de três trabalhos a publicar: «Ouro Número Quatro», textos de Cesariny, Luiz Pacheco e António Maria Lisboa; «Da Fraudulenta Justificação», por Luiz Pacheco; e, o terceiro, «Delfim da Costa defende Delfim da Costa e Vice-Versa».
*Folheto do género dos manifestos surrealistas escrito - dactilografado - por vários autores, entre eles MCV, António Maria Lisboa e Luiz Pacheco
Neste Contraponto - série fantasma -, «O Prato do Diabo» tem o poema de Cesariny «Passagem do Anti-Mundo Dante Aliguieri»
«O Amor que é só o amor é já o Inferno»
(...)
«Era quando o Inferno queria ser Inferno»
(...)
«O amor que é só amor é já o inferno?
Bandido.
Inferno é o amor do primeiro amor?
Vadio.
Vós que entrais perdei toda a esperança?
Gatuno.
§§§§§§§§
Primeiro segundo terceiro quarto quinto
ao homem dos elevadores o cuidado de prosseguir
mas que amplexo de homem poderá dividir
somar
subtrair
o amor seu amor todos os braços da esfinge?
Essa que quatro ao raiar da manhã
essa que dois ao longo do sol a pino
essa que três quando caía a noite
os passos voam no areal do tempo
O amor só amor é já o inferno
diz Dante
mas é o amor que é um fogo devorante
Não me refiro à prestação do calor
O pra baixo e pra cima também os êmbolos fazem
e todos os dias vêm navios ao mundo.
Refiro por exemplo a estrela sextavada
que há no corpo do rio que é o amante
é aí que o amor é um fogo devorante
§§§§§§§§
Aqui o limbo além o paraíso além o inferno.
Que cheiro a despegado, meu general.
Eu, todos os meus anjos vão juntos para a guerra.
Se falta algum é como faltar o chão.
M.C.V. Agosto, 1960
Outro «anjo», este, muito diferente, em «AZAZEL, ou o bode que está entre nós», de Delfim da Costa, o cangalheiro da cidade.
«Azazel está para os anos 30, como Jacob e o Anjo para os anos 50 e o Indesejado para os anos 40. É uma peça maldita, diz-se no Século de domingo, 11-1».
«Tragédia-buffa, dada por José-Augusto França no Teatro Nacional D. Maria II. Encenação de D. Sallette, que não se reprimiu para dar perfume de existencialismo cristão à dita buffa surrealista do José-Augusto. A acção parece passar-se nos bastidores do Teatro Nacional. Os efeitos de som a cargo do Dr. Tareco, que cumula esta espinhosa missão com a de ponto, claque, doutrinador de ideias que não chegam a vir na peça (C.N.C.) e contra-regra. O verdadeiro público desta tragédia não é o que ocupa a plateia do Nacional, mas o que está "por detrás da cortina" e que irá aparecendo à medida que a peça for desaparecendo».
I ACTO
(...)
«CAI O PANO E SOBE O FRANÇA»
II ACTO
(...)
«CAI O FRANÇA E SOBE O PANO»
III ACTO
(...)
«CAI TUDO MENOS O PANO»
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