terça-feira, 5 de agosto de 2008

Istambul Barcos, como cacilheiros. Provavelmente gaivotas. E talvez também tenha névoas. Templos. Cantilenas de rezas, que poderiam ser terços por onde os dedos de beatas contam nós ou as contas por mor de purgatórios perdidos. Milhares de pessoas, como se viessem de freguesias cuja quantidade não há por cá, mas iguais a tantas mourarias que começam sempre nas ruas do Capelão. Mercados como as praças ou as Ribeiras. E ruas, ruas, ruas e mais ruas, onde me perco sem lembrar que tenho alma. Será que ainda a tenho? Longe e com sofrimento.

2 comentários:

A. disse...

...


É da tua mão que eu preciso agora. Há momentos, sabes, que me sinto tão cansado, todos estes dias cheios de palavras que me fogem. Então penso em ti..Penso...aquelas árvores que tu conheces de quando a gente há dois anos ... nem me lembro já porquê abri a mala do carro, estavam lá dentro coisas tuas... batas, papéis, as inutilidades confusas que estás sempre a juntar. Peguei numa das tuas batas, abracei-a. E desatei num choro de menino, de cabeça inclinada para a mala do carro na esperança de que não me vissem. Depois lá enxuguei o nariz à manga
nunca perdi o hábito de enxugar o nariz à manga engoli-me a mim mesmo e vim-me embora. Sempre que me sento no carro lembro-me de ti. Também me lembro quando não me sento no carro mas sempre que me sento no carro lembro-me de ti. De ti e de onde começaste a ser, e as mangueiras tremem-me no interior do sangue.
Mas é da tua mão que eu preciso agora. Há momentos em que me farto de ser homem: tudo tão pesado, tão estranho, tão difícil. Eu vou tendo paciência e no entanto, às vezes as coi­sas magoam, há ideias que entram na gente como espinhos. Não se podem tirar com uma pinça: ficam lá. É então que a cara prin­cipia a estragar-se e a gente
diz: envelhece. Necessito de muito pouca coisa hoje em dia: uns livros, o meu trabalho de escrever, amigos que se estreitam com o tempo, alguns deixados para trás, não sei onde.

Tenho frio, ando às voltas...nunca estou a gostar do que escrevo, acho aquilo em que trabalho o mais difícil, acho que as palavras me derrotam. Frases puxadas como pedras de um poço que não vejo. Banalidades que me indignam por estarem tão longe do que quero. Capítulos que me fogem, o plano da his­tória dinamitado pelos caprichos da minha mão, que não faz o que pretendo: escapa-se sempre, inventa, tenho de apanhá-la a meio de um período inverosímil. Talvez seja por isso que preciso da tua. Ou não por isso: não bebo e no entanto há alturas em que me sinto tão só que é quase o mesmo. E sem essa solidão não me é possível escrever. Quando sorris os cantos da boca parecem levantar voo. Faz-me bem. Gostava de sorrir assim. Experimentei ao espelho e não é igual. Quer dizer, a boca curvou-se mas os olhos ficaram fixos, duros. Deixei de sorrir e enchi a cara de espuma da barba, até ser apenas nariz e olhos. Então sorri outra vez e os olhos acharam graça e mudaram. Os meus olhos sérios olhavam para os meus olhos divertidos. Pisquei o esquerdo e o espelho piscou o direito. Lavei a cara, apaguei a luz, saí.E pronto, é tarde. E chegando ao fim da página aca­bou-se. Ponho a tampa na caneta, os cotovelos na mesa e fico a observar a parede. Nem vou reler isto, mando tal e qual. Prefiro observar a parede, deixar-me impregnar devagarinho pela essên­cia das coisas. Esta cadeira, aquele móvel, uma manchinha de cinza no chão, as minhas mãos geladas de frio... Se calhar amanhã telefono-te.Penso:

Importas-te de me dar a mão?





António Lobo Antunes

«

A disse...

os desalmados nunca se perguntam por si nem pela própria alma. Perdem-se no tempo e no espaço como as folhas que se perderam da árvore, no vento.

A tua alma é grande meu amigo.

Beijo imenso com um oceano pelo meio