sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Chiado
Rua Nova do Almada.
Grandela.
Eduardo Martins.
O poeta acocorado. De tal forma, que se diz que pede o rolo.
Bolos.
Café.
Gravatas.
Paris em Lisboa.
Porcelanas.
Joias e relógios.
As vitrines de livros que, em criança, deixaram Manuel Boullosa de olhos colados aos vidros. Da Bertrand, que foi dele.
O empedrado.
A calçada escorregadia.
Mas, sobretudo, o perfume. Se fossem palavras cruzadas, a resposta estaria no que eu uso.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Perfume Desfez, um a um, todos os torrões. A terra entranhada nas mãos deixou-lhe as unhas cinzentas à medida que encheu o interior do vaso quadrado. Colocou as raízes dentro da cavidade macia formatada ao centro e tentou manter em prumo a rama de folhas terminadas em centenas de pequenos botões de pétalas, ainda fechados. Deitou o resto da terra até ao topo, acamando aquele pequeno universo de barro, como se puxasse os lençóis a uma criança sonolenta. E lá ficou o jasmim. À luz da lâmpada da varanda, reparou nos dedos escuros, impregnados de pó e turfa e sentiu-se petiz, capaz de sorrir ao pinheirinho que ali estava ao seu lado, sussurrando-lhe desejos que não teriam resposta. Teve vontade de recuperar a vida, para voltar a alcançar, a custo, em bicos dos pés, as doces ameixas escuras, como se o tempo tivesse parado nas noites quentes de Cacela, onde, ao luar, feito pequeno homem, comera barrigadas de fruta colhidas com dedos cheios de terra, da mesma que era matinalmente esgravatada pelas galinhas do quintal. Também se lembrou que, muito perto das ameixas, esteve um pinheiro manso plantado pela bisavó.
Voltou a reparar nas mãos. E olhou em redor para as marquises tranquilas. Notou as luzes que se iam apagando. Não havia luar. Mas sabia que quando a lua voltasse a banhar aquele terraço, o jasmim cumpriria o seu destino, libertando por todos aqueles telhados a profunda beleza do odor bebido da terra, da mesma que ficou em si, guardada no mais puro segredo da palma das suas mãos.

domingo, 10 de agosto de 2008

Alma-Coração Um pôr-do-sol cheio de pedaços de algodão. Como uma composição de crianças. Quando enchem cartolinas. Colam-lhes bolas de algodão e dizem que é um céu com núvens. E esse céu de algodão está lá para ser pintado de tons alaranjados. Como quando as crianças pintam com batas e deixam tudo cheio de tinta. De tantos tons, que mudariam a cor do algodão como acontece com um pôr-do-sol. E quantas cores tem um pôr-do-sol? É a típica pergunta que uma criança pode fazer.
Quantas cores tem um sorriso?
Quantas cores tem a alma?
E quantas almas não têm cor?
Algures perdido no Sul, há um banco que dá para ver o pôr-do-sol. Numa zona em que o sol se esconde na terra, e a terra fica para além da água, que no caso é uma ria. Algures nesse Sul passei mais de 45 anos com Verões em que o ocaso por vezes teve bolas de aldodão coladas ao céu, das cores que um arco-iris oferece, dentro de uma palete de gouaches, sempre que uma criança dorme. E nesse Sul mora a Saudade. Nem é por pieguisse. É porque os pés pequeninos - daqueles que ficam cheios de picos -, crescem e rumam para longe. É por isso que lá está o banco. Para sentar os que ficam. A ver o pôr-do-sol.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Istambul Barcos, como cacilheiros. Provavelmente gaivotas. E talvez também tenha névoas. Templos. Cantilenas de rezas, que poderiam ser terços por onde os dedos de beatas contam nós ou as contas por mor de purgatórios perdidos. Milhares de pessoas, como se viessem de freguesias cuja quantidade não há por cá, mas iguais a tantas mourarias que começam sempre nas ruas do Capelão. Mercados como as praças ou as Ribeiras. E ruas, ruas, ruas e mais ruas, onde me perco sem lembrar que tenho alma. Será que ainda a tenho? Longe e com sofrimento.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Vodka. Ouvi-te, então. Enquanto gesticulavas o tamanho das romãs. Ao lado, na foto, lá estavam alinhadas, grandes, efectivamente muito grandes, em cima de uma espécie de pequena prateleira. O seu tom rubro dava com a decoração do bar e tornava tudo fantasticamente acolhedor, como se fosse feito de propósito para abafar o frio. O tom daquelas grandes romãs russas. E dizias-me que ali tudo era grande. Também os limões que estavam dentro de um tubo de vidro, cheio de água - que eu imaginei cheio de vodka. E tu, continuavas a gesticular o tamanho grande desses frutos. A seguir foste buscar o gorro de pele. Ficava-te bem. Dava-te um toque sorridente. Feliz.
(...)
Peguei depois no telefone para reconfirmar tudo.
Afinal, não era bem assim. Respondeste-me que tinha uma parede, cheia até ao tecto, de frascos com limões. E não concordaste com o resto... que para mim daria um cunho genuinamente russo ao quadro. «Talvez vodka... Achas?!» Acho. Porque não? Seria uma visão ainda mais doce, digamos assim.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Regresso. Há sempre um caminho escondido que nos guia. Mesmo a dormir, ou quando negamos a evidência, o rumo é certo. Tal como tudo tem um fim.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

(...)