É porque existe o desejo, o olfacto e o medo E os vivos apaixonam-se por outros vivos, E lembram-se, por vezes, do enorme numero de mortos; E dentro destes há alguns que os fazem desligar a luz e o trabalho, E o quotidano aí já não basta, Porque o coração tem certos dias um orçamento incomportável. Sim, o coração tem certos dias um orçamento incomportável. E não basta então a mulher que amamos, Nem os filhos - os que vão sobreviver no tempo- E é preciso sair, e não basta sair para a rua e correr, é preciso sair dos ossos, fugir ao obrigatório, à casa, encontrar dentro dos bolsos o pedaço de uma carta, um mapa, Fragmento que possa reconstituir o caminho para a casa da infância onde Deus era chocolate e o resolviamos, assim, de uma vez, porque o comíamos. Porque mais tarde cescemos e ganhámos dinheiro, família e Alguns outros assuntos, Mas perdemos qualquer coisa de que é impossivel falar, de que não sabemos falar. E é por isso tudo, e por quase tudo o que faltou dizer, É por isso que é bom, por vezes, Suspender a noite e o coração, E obrigar o cérebro à paragem surpreendente. É por isso que é bom, por vezes, Ocuparmos o corpo na arte de sentar, E pedir então à arte, à literatura, ao teatro que nos salve, Por enquanto, antes de morrermos.
2 comentários:
(há sempre um caminho, ainda que escondido......)
abraço!
É porque existe o desejo, o olfacto e o medo
E os vivos apaixonam-se por outros vivos,
E lembram-se, por vezes, do enorme numero de mortos;
E dentro destes há alguns que os fazem desligar a luz e o trabalho,
E o quotidano aí já não basta,
Porque o coração tem certos dias um orçamento incomportável.
Sim, o coração tem certos dias um orçamento incomportável.
E não basta então a mulher que amamos,
Nem os filhos - os que vão sobreviver no tempo-
E é preciso sair, e não basta sair para a rua e correr,
é preciso sair dos ossos,
fugir ao obrigatório, à casa,
encontrar dentro dos bolsos o pedaço de uma carta, um mapa,
Fragmento que possa reconstituir o caminho para a casa da infância
onde Deus era chocolate e o resolviamos, assim, de uma vez, porque o comíamos.
Porque mais tarde cescemos e ganhámos dinheiro, família e
Alguns outros assuntos,
Mas perdemos qualquer coisa de que é impossivel falar, de que não sabemos falar.
E é por isso tudo, e por quase tudo o que faltou dizer,
É por isso que é bom, por vezes,
Suspender a noite e o coração,
E obrigar o cérebro à paragem surpreendente.
É por isso que é bom, por vezes,
Ocuparmos o corpo na arte de sentar,
E pedir então à arte, à literatura, ao teatro
que nos salve,
Por enquanto, antes de morrermos.
Gonçalo M. Tavares
Enviar um comentário